segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Corvo - Edgard Allan Poe / (Ilustrações: Fraga)

O Corvo

Edgar Allan Poe
Tradução de Machado de Assis



Em certo dia, à hora, à hora
Da meia- noite que apavora,
Eu, caindo de sono exausto de fadiga,
ao pé de muita lauda antiga,
de uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando quando ouvi a porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse essas palavras tais:
“E alguém que bate à porta de mansinho;
Há de ser isto e nada mais.”


Ah! Bem me lembro! Bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas Saudades imortais
Pela que ora no céus anjos chamam Lenora.
E que ninguém chamará mais.



E o rumor, triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplaca-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto, e: “Com efeito,
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas e tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isto e nada mais”.



Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo, e desta sorte
Falo: Imploro de vós, - ou senhor ou senhora,
Me desculpai tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já Cochilava, e tão manso e manso
Batestes, não fui logo, prestemente,
Certificai-me que aí estais”.
Disse; a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite e nada mais.



Com longo olhar escruto a sombra,
Que amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silencio amplo e calado,
Calado fica; quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, com o suspiro escasso,
da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
foi apenas, nada mais.
Entro com a alma incendiada,
logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
“Seguramente, há na janela
Alguma cousa sussurra. Abramos,
Eia, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso,
obra do vento e nada mais.”



Abro a janela, e de repente,
Vejo tulmutuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa no alto da porta, em busto de Palas,
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo, - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: “ Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais;
Como te Chamas tu na grande noite umbrosa?
E o corvo disse: Nunca mais.”



Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe fazia,
fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Cousa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é seu nome: “Nunca mais”.



Assim posto, devaneando,
meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas, se não lhe falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjecturando fui, tranquilo a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se desparzam mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: “Um Deus sensivél
Manda repouso a dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora”.
E o corvo disse:” Nunca mais”.



“Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: ou venha tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
tem teus lares triunfais,
Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?”
E o corvo disse “Nunca mais”.



“Ave do Demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa! Clamei Levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo,
Vai-te, não fica no meu abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua.
Tira-me do peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua.”
E o corvo disse: “Nunca mais”.



E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutavél, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do Lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e, fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!








Poe e o Corvo - Magazine Illustration, ilustracion editorial (Fraga)

 

  Edgard Allan Poe (Fraga) 







Poe 200 Anos (Fraga) 

Gilmar Fraga nasceu em setembro de 1968 no Sul do Brasil . Ilustrador e caricaturista premiado em salões de humor nacionais e internacionais. Desde 1996, trabalha com ilustração editorial para o Jornal Zero Hora (Porto Alegre/RS) e ainda encontra tempo para ilustrar capas para livros, cd’s e campanhas publicitárias. Fanático assumido por HQs, e tem como hobby colecionar revistas e pesquisar novas técnicas e materiais para ilustração. Além disso dedica-se a um projeto paralelo de pesquisa em pintura.
Não deixe de visitar a galeira de desenhos de Fraga





Fonte Imagens: Google, blogs e flickr do artista (Fraga
Dica e Colaboração: Branca



Nenhum comentário:

Postar um comentário